sábado, 11 de novembro de 2023

Manual do conselheiro Fiscal de clube esportivo - Introdução

Imagem gerada por IA (https://app.leonardo.ai)

Manual do conselheiro Fiscal de clube esportivo

Introdução

Neste manual, exploraremos a complexa jornada da gestão nos clubes esportivos, destacando o papel crucial dos conselhos fiscais na garantia da saúde financeira e da governança. Ao navegar por seus capítulos, conheceremos a essência do trabalho de um conselheiro fiscal, explorando conceitos, práticas e exemplos que ajudarão a moldar a governança e cultivar uma gestão financeira sólida, responsável e orientada para o sucesso dos clubes esportivos no Brasil, priorizando a sua sustentabilidade e longevidade.

A evolução da gestão de clubes esportivos, notadamente no que diz respeito à necessidade de acompanhamento e avaliação de resultados, profissionalização da gestão e prestação de contas, provocada pela evolução das próprias ideias de administração de empresas e do mercado, trouxe para as entidades esportivas brasileiras – marcadas por gestões personalistas, centralizadoras e tendentes a serem imunes à fiscalização –, a necessidade de acompanhar as mudanças, profissionalizar sua gestão e implementar adaptações aos novos tempos.

No vasto universo do entretenimento, o esporte desponta como uma paixão global que transcende fronteiras e culturas. No entanto, por trás dos jogos emocionantes e das rivalidades ardentes, existe uma complexa máquina de gestão financeira que sustenta os clubes e suas operações. Ao longo dos anos, a evolução da gestão esportiva tem demonstrado a necessidade premente de abordagens sólidas e transparentes na administração financeira dos clubes esportivos. Dos tempos em que as finanças eram muitas vezes negligenciadas, passamos a uma era em que a eficiência financeira e a transparência são vitais para a sobrevivência e sucesso de um clube. A crescente complexidade das operações, o aumento das demandas de compliance e a pressão por resultados financeiros positivos têm exigido uma nova abordagem na administração dos recursos do clube. O mercado e outras partes interessadas passaram a voltar suas atenções para o que acontecia nos clubes esportivos, e de futebol, em especial, responsáveis por manejar questões que envolvem valores vultosos e pelo trato com públicos formadores de opinião, e sentiram a necessidade de obter informações sobre a adequação dos procedimentos e a eficácia dos seus resultados.

Os conselhos fiscais, por sua vez, antes vistos como órgãos policialescos – numa visão até razoável, mas distante da realidade brasileira, cuja subserviência era e ainda é (desejamos que mude!) a característica marcante –, com a evolução da regulamentação e das técnicas de análise das demonstrações contábeis e processos internos das entidades, passou a ser considerado um aliado na melhoria dos processos internos e na gestão dos riscos incidentes nas atividades dos clubes. Por tender a ser dotado de membros com conhecimento profundo das atividades, rotinas e normas do clube (isso vai depender da forma como os conselheiros fiscais são escolhidos, o que pode variar muito de clube para clube), além de formação acadêmica e profissional esmerada, atualizada conforme a área de atuação, o conselho fiscal tornou-se, naqueles clubes que não possuem auditoria interna, a unidade organizacional interna mais indicada para a emissão de opinião independente e objetiva sobre o sistema de controles internos, a gestão de riscos e a governança da empresa.

No cenário atual, onde os clubes esportivos se assemelham a verdadeiras empresas, a importância dos conselhos fiscais se tornou inegável. Esses órgãos desempenham um papel crítico na vigilância das operações financeiras e na garantia da transparência, contribuindo para a construção de um ambiente saudável de governança corporativa. Ao trazerem uma perspectiva independente e objetiva, os conselhos fiscais asseguram que as decisões financeiras estejam alinhadas aos melhores interesses do clube e de seus stakeholders[1]. O conceito de conselhos fiscais não é estranho ao mundo empresarial. Empresas de diferentes setores há muito reconhecem a importância desses órgãos na supervisão financeira e na prevenção de irregularidades. As lições aprendidas nesses contextos podem ser valiosas ao se implementar um conselho fiscal em um clube esportivo. A adaptação desses princípios ao ambiente esportivo pode fortalecer ainda mais a governança e a gestão financeira dos clubes. A estrutura jurídica de um clube, seja uma Sociedade Anônima de Futebol (SAF) ou uma associação, pode influenciar a atuação do conselho fiscal. É importante compreender as particularidades de cada modelo para adequar a abordagem de fiscalização e monitoramento.

Esta obra pretende trazer sugestões para auxiliar na efetividade da atuação do conselho fiscal e destacar a relevância do órgão para o sistema de governança corporativa dos clubes esportivos.

O escopo das atividades de um conselho fiscal em um clube esportivo vai muito além da simples análise de relatórios financeiros. Além de monitorar os aspectos contábeis e financeiros, eles também devem compreender a estratégia do clube, os objetivos de longo prazo e a gestão dos riscos operacionais e reputacionais. As referências aos conselhos fiscais em geral, notadamente na esfera empresarial, são imperiosas para entende-los como componente de um sistema de controles internos, de gestão de riscos e, principalmente, de governança corporativa. Passaremos rapidamente sobre as competências, responsabilidades e relacionamentos que podem fazer parte da vida do conselho fiscal e seus conselheiros.

Analisaremos o quanto a atividade do conselho fiscal é importante para os clubes, principalmente na gestão de riscos, na sustentação da governança corporativa e para a salvaguarda da ética e do patrimônio. A sustentação da governança corporativa num clube esportivo é a base para o sucesso a longo prazo, representando o alicerce sobre o qual um clube esportivo deve se apoiar para alcançar a estabilidade e o sucesso sustentável. Através da transparência, responsabilidade e integridade, a governança corporativa estabelece diretrizes para as operações do clube. Os conselhos fiscais, como guardiões dessa governança, garantem que os princípios éticos sejam mantidos no centro das atividades financeiras. Por outro lado, a gestão de riscos é uma componente crucial da governança financeira de um clube esportivo. Os riscos associados a transações, contratos de jogadores e de fornecedores, receitas e despesas devem ser identificados, avaliados e geridos de forma proativa. Os conselhos fiscais desempenham um papel central na avaliação desses riscos, assegurando que o clube esteja preparado para enfrentar desafios financeiros imprevistos. Importante aspecto a ser analisado é o da abrangência do trabalho do conselho fiscal, no que diz respeito a atingir todas as áreas e processos do clube ou ser possível que alguma delas esteja imune a sua atuação. Outra questão relevante perpassa na avaliação da existência de interferências no conselho fiscal oriundas de outras áreas – ou da própria área –, em que aspectos isso acontece e quais os impactos decorrentes disso nos resultados dos trabalhos. Destacaremos a necessidade de respeito aos princípios basilares da independência e da objetividade do trabalho do conselheiro fiscal, primordiais para que o resultado tenha efetivo valor agregado. A independência e objetividade são fundamentais para o sucesso de um conselho fiscal. Os conselheiros fiscais devem manter-se livres de influências externas, agindo de forma imparcial na avaliação das finanças do clube. Isso garante que as decisões sejam baseadas em análises justas e precisas. Aspecto importante que também será tratado é o da indicação de que os conselheiros fiscais tenham conhecimento técnico – seja teórico, seja prático, melhor ainda se forem os dois – suficientes para a execução segura dos trabalhos. Um capítulo deste livro tratará especificamente das práticas e procedimentos que, em nosso entendimento, são suficientes para a entrega de um bom resultado.

Por fim, tentaremos montar a ideia do que seria um conselho fiscal ideal para os clubes esportivos brasileiros, com o cuidado de respeitar o tamanho, as regionalidades e a cultura específicas de cada um. Mostraremos uma proposta de planejamento para os trabalhos do conselho fiscal. Abordaremos quais seriam os processos internos que devem ser avaliados pelos conselheiros fiscais, sugerindo um modelo de instrumental de trabalho que possa ser capaz de avaliar a eficiência, efetividade e adequabilidade dos processos avaliados. Serão tecidas algumas considerações e apresentadas sugestões sobre a execução e a conclusão dos trabalhos de análise e fiscalização a serem feitos pelo conselho fiscal. Um conselho fiscal ideal para clubes esportivos brasileiro deve ser moldado pelas características únicas do contexto nacional. Respeitando a diversidade regional e a cultura esportiva, ele deve ser composto por membros com conhecimento técnico e um compromisso inabalável com os valores do clube.

Ao final, serão apresentadas as conclusões sobre os assuntos abordados nesta obra e novas possíveis questões e sugestões de temas que poderão servir de objeto para trabalhos futuros.

Foram fundamentais para a elaboração deste livro as obras publicadas pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), que recomendamos uma leitura atenta a todos.

Esta obra não pretende esgotar o assunto e está sujeita às suas críticas e sugestões (no final do livro, você encontrará como fazer isso). Nosso desejo é de contribuir para o desenvolvimento do conhecimento relativo a tão importante órgão, de forma que sua atuação seja efetiva e não apenas o mero cumprimento de uma formalidade.



[1] Stakeholders são todas as partes interessadas em uma organização, como acionistas, clientes, funcionários e comunidade local, que influenciam ou são influenciadas pelas decisões e atividades da empresa. O engajamento eficaz com os stakeholders é fundamental para a sustentabilidade e a reputação das organizações, permitindo uma gestão mais responsável e alinhada com as expectativas de diversas partes interessadas.

 





quinta-feira, 9 de novembro de 2023

Manual do conselheiro fiscal de clube esportivo (Parte 1) - Prólogo

 

Imagem gerada por IA (https://app.leonardo.ai)

Manual do conselheiro Fiscal de clube esportivo

Como implantar, regrar, gerir, planejar e fperacionalizar um conselho fiscal atuante, fiscalizador e independente em clube esportivo no Brasil.

Minha jornada no estudo dos conselhos fiscais em clubes esportivos teve início em 2017, quando fui eleito para a função de conselheiro fiscal do Esporte Clube Bahia. Naquela época, eu havia acabado de encerrar minha atuação como auditor interno no Banco do Brasil e embarcado em uma nova empreitada como professor em um curso de pós-graduação em gestão esportiva, onde lecionei sobre governança corporativa.

Durante a elaboração deste livro, deparei-me com uma carência inquietante na literatura disponível. As escassas obras nacionais sobre o assunto não exploravam a perspectiva que eu buscava para meu estudo. No entanto, essas visões coletadas desempenharam um papel crucial na formação dos conceitos e na criação de conteúdo a partir da prática e de analogias com outros tipos de conselhos fiscais, em especial aqueles presentes em sociedades anônimas, bem como com outras entidades que exercem funções similares, embora em contextos diferentes, como as auditorias internas e externas e os órgãos de fiscalização externa.

O trabalho como conselheiro fiscal do Bahia foi excelente para vivenciar na prática tudo o que estava pesquisando e criando. No entanto, as atividades do Conselho Fiscal e meu trabalho no Banco do Brasil absorviam o tempo que planejei destinar à escrita do livro, o que me fez suspender sua elaboração. Com meu mandato chegando ao fim em 2020, e tendo decidido não me reeleger, vislumbrei retomar a escrita. No entanto, outras demandas me fizeram mais uma vez adiar o prosseguimento para outra época.

Chegou 2022 e decidi retomar a escrita do livro, o que me levou a revisar e replanejar tudo, pois muita coisa mudou no cenário esportivo, especialmente com a implantação das chamadas sociedades anônimas do futebol (SAF). Assim, iniciei um novo período de pesquisa. Em agosto de 2023, decidi colocar meu nome em referendo para retornar ao Conselho Fiscal do Esporte Clube Bahia, agora, sem o futebol, devido à instituição da sua SAF e à aquisição de 90% da sociedade pelo City Football Group. Empossado em outubro, escrevi muitos novos itens e incorporei outros tantos procedimentos que não estavam presentes lá no início do projeto.

Este Manual, sem a pretensão de esgotar a matéria, trata da função do conselho fiscal em clubes esportivos, buscando definir sua relevância, analisar a necessidade de sua implementação e aceitação, apresentar elementos para uma atuação eficaz e propor elementos de pesquisa sobre a operacionalização e desempenho dessa importante função.

Ao final desta obra, são oferecidas conclusões e algumas sugestões que pretendem incentivar aprofundamentos futuros ou novas perspectivas de abordagem sobre o tema.

Espero que esta jornada de exploração e análise contribua para o enriquecimento do conhecimento sobre a importância crucial dos conselhos fiscais nos clubes esportivos e no cenário mais amplo da governança corporativa.

 

Palavras-chave: conselho fiscal. Conselheiro Fiscal. Clube Esportivo. Clube esportivo. Gestão Esportiva. Auditoria. Governança. Sociedade Anônima do Futebol. SAF. Futebol brasileiro.


Comentário: este texto faz parte do Prólogo do livro.