Manual do conselheiro Fiscal de clube esportivo
Introdução
Neste manual, exploraremos a complexa jornada da gestão
nos clubes esportivos, destacando o papel crucial dos conselhos fiscais na
garantia da saúde financeira e da governança. Ao navegar por seus capítulos, conheceremos
a essência do trabalho de um conselheiro fiscal, explorando conceitos, práticas
e exemplos que ajudarão a moldar a governança e cultivar uma gestão financeira
sólida, responsável e orientada para o sucesso dos clubes esportivos no Brasil,
priorizando a sua sustentabilidade e longevidade.
A evolução da gestão de clubes esportivos, notadamente no
que diz respeito à necessidade de acompanhamento e avaliação de resultados,
profissionalização da gestão e prestação de contas, provocada pela evolução das
próprias ideias de administração de empresas e do mercado, trouxe para as
entidades esportivas brasileiras – marcadas por gestões personalistas,
centralizadoras e tendentes a serem imunes à fiscalização –, a necessidade de
acompanhar as mudanças, profissionalizar sua gestão e implementar adaptações
aos novos tempos.
No vasto universo do entretenimento, o esporte desponta
como uma paixão global que transcende fronteiras e culturas. No entanto, por
trás dos jogos emocionantes e das rivalidades ardentes, existe uma complexa
máquina de gestão financeira que sustenta os clubes e suas operações. Ao longo
dos anos, a evolução da gestão esportiva tem demonstrado a necessidade premente
de abordagens sólidas e transparentes na administração financeira dos clubes
esportivos. Dos tempos em que as finanças eram muitas vezes negligenciadas,
passamos a uma era em que a eficiência financeira e a transparência são vitais
para a sobrevivência e sucesso de um clube. A crescente complexidade das
operações, o aumento das demandas de compliance e a pressão por
resultados financeiros positivos têm exigido uma nova abordagem na
administração dos recursos do clube. O mercado e outras partes interessadas passaram
a voltar suas atenções para o que acontecia nos clubes esportivos, e de futebol,
em especial, responsáveis por manejar questões que envolvem valores vultosos e pelo
trato com públicos formadores de opinião, e sentiram a necessidade de obter
informações sobre a adequação dos procedimentos e a eficácia dos seus
resultados.
Os conselhos fiscais, por sua vez, antes vistos como órgãos
policialescos – numa visão até razoável, mas distante da realidade brasileira,
cuja subserviência era e ainda é (desejamos que mude!) a característica marcante
–, com a evolução da regulamentação e das técnicas de análise das demonstrações
contábeis e processos internos das entidades, passou a ser considerado um
aliado na melhoria dos processos internos e na gestão dos riscos incidentes nas
atividades dos clubes. Por tender a ser dotado de membros com conhecimento
profundo das atividades, rotinas e normas do clube (isso vai depender da forma
como os conselheiros fiscais são escolhidos, o que pode variar muito de clube
para clube), além de formação acadêmica e profissional esmerada, atualizada
conforme a área de atuação, o conselho fiscal tornou-se, naqueles clubes que
não possuem auditoria interna, a unidade organizacional interna mais indicada
para a emissão de opinião independente e objetiva sobre o sistema de controles
internos, a gestão de riscos e a governança da empresa.
No cenário atual, onde os clubes esportivos se assemelham
a verdadeiras empresas, a importância dos conselhos fiscais se tornou inegável.
Esses órgãos desempenham um papel crítico na vigilância das operações
financeiras e na garantia da transparência, contribuindo para a construção de
um ambiente saudável de governança corporativa. Ao trazerem uma perspectiva independente
e objetiva, os conselhos fiscais asseguram que as decisões financeiras estejam
alinhadas aos melhores interesses do clube e de seus stakeholders[1].
O conceito de conselhos fiscais não é estranho ao mundo empresarial. Empresas
de diferentes setores há muito reconhecem a importância desses órgãos na
supervisão financeira e na prevenção de irregularidades. As lições aprendidas
nesses contextos podem ser valiosas ao se implementar um conselho fiscal em um clube
esportivo. A adaptação desses princípios ao ambiente esportivo pode fortalecer
ainda mais a governança e a gestão financeira dos clubes. A estrutura jurídica
de um clube, seja uma Sociedade Anônima de Futebol (SAF) ou uma associação,
pode influenciar a atuação do conselho fiscal. É importante compreender as
particularidades de cada modelo para adequar a abordagem de fiscalização e
monitoramento.
Esta obra pretende trazer sugestões para auxiliar na
efetividade da atuação do conselho fiscal e destacar a relevância do órgão para
o sistema de governança corporativa dos clubes esportivos.
O escopo das atividades de um conselho fiscal em um clube
esportivo vai muito além da simples análise de relatórios financeiros. Além de
monitorar os aspectos contábeis e financeiros, eles também devem compreender a
estratégia do clube, os objetivos de longo prazo e a gestão dos riscos
operacionais e reputacionais. As referências aos conselhos fiscais em geral,
notadamente na esfera empresarial, são imperiosas para entende-los como componente
de um sistema de controles internos, de gestão de riscos e, principalmente, de
governança corporativa. Passaremos rapidamente sobre as competências,
responsabilidades e relacionamentos que podem fazer parte da vida do conselho fiscal
e seus conselheiros.
Analisaremos o quanto a atividade do conselho fiscal é importante
para os clubes, principalmente na gestão de riscos, na sustentação da
governança corporativa e para a salvaguarda da ética e do patrimônio. A
sustentação da governança corporativa num clube esportivo é a base para o
sucesso a longo prazo, representando o alicerce sobre o qual um clube esportivo
deve se apoiar para alcançar a estabilidade e o sucesso sustentável. Através da
transparência, responsabilidade e integridade, a governança corporativa
estabelece diretrizes para as operações do clube. Os conselhos fiscais, como
guardiões dessa governança, garantem que os princípios éticos sejam mantidos no
centro das atividades financeiras. Por outro lado, a gestão de riscos é uma
componente crucial da governança financeira de um clube esportivo. Os riscos
associados a transações, contratos de jogadores e de fornecedores, receitas e
despesas devem ser identificados, avaliados e geridos de forma proativa. Os conselhos
fiscais desempenham um papel central na avaliação desses riscos, assegurando
que o clube esteja preparado para enfrentar desafios financeiros imprevistos. Importante
aspecto a ser analisado é o da abrangência do trabalho do conselho fiscal, no
que diz respeito a atingir todas as áreas e processos do clube ou ser possível
que alguma delas esteja imune a sua atuação. Outra questão relevante perpassa
na avaliação da existência de interferências no conselho fiscal oriundas de
outras áreas – ou da própria área –, em que aspectos isso acontece e quais os
impactos decorrentes disso nos resultados dos trabalhos. Destacaremos a
necessidade de respeito aos princípios basilares da independência e da
objetividade do trabalho do conselheiro fiscal, primordiais para que o
resultado tenha efetivo valor agregado. A independência e objetividade são
fundamentais para o sucesso de um conselho fiscal. Os conselheiros fiscais
devem manter-se livres de influências externas, agindo de forma imparcial na
avaliação das finanças do clube. Isso garante que as decisões sejam baseadas em
análises justas e precisas. Aspecto importante que também será tratado é o da
indicação de que os conselheiros fiscais tenham conhecimento técnico – seja
teórico, seja prático, melhor ainda se forem os dois – suficientes para a
execução segura dos trabalhos. Um capítulo deste livro tratará especificamente
das práticas e procedimentos que, em nosso entendimento, são suficientes para a
entrega de um bom resultado.
Por fim, tentaremos montar a ideia do que seria um conselho
fiscal ideal para os clubes esportivos brasileiros, com o cuidado de respeitar
o tamanho, as regionalidades e a cultura específicas de cada um. Mostraremos
uma proposta de planejamento para os trabalhos do conselho fiscal. Abordaremos
quais seriam os processos internos que devem ser avaliados pelos conselheiros
fiscais, sugerindo um modelo de instrumental de trabalho que possa ser capaz de
avaliar a eficiência, efetividade e adequabilidade dos processos avaliados.
Serão tecidas algumas considerações e apresentadas sugestões sobre a execução e
a conclusão dos trabalhos de análise e fiscalização a serem feitos pelo conselho
fiscal. Um conselho fiscal ideal para clubes esportivos brasileiro deve ser
moldado pelas características únicas do contexto nacional. Respeitando a
diversidade regional e a cultura esportiva, ele deve ser composto por membros
com conhecimento técnico e um compromisso inabalável com os valores do clube.
Ao final, serão apresentadas as conclusões sobre os
assuntos abordados nesta obra e novas possíveis questões e sugestões de temas que
poderão servir de objeto para trabalhos futuros.
Foram fundamentais para a elaboração deste livro as obras
publicadas pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), que
recomendamos uma leitura atenta a todos.
Esta obra não pretende esgotar o assunto e está sujeita às
suas críticas e sugestões (no final do livro, você encontrará como fazer isso).
Nosso desejo é de contribuir para o desenvolvimento do conhecimento relativo a
tão importante órgão, de forma que sua atuação seja efetiva e não apenas o mero
cumprimento de uma formalidade.
[1] Stakeholders são todas as partes interessadas em uma
organização, como acionistas, clientes, funcionários e comunidade local, que
influenciam ou são influenciadas pelas decisões e atividades da empresa. O
engajamento eficaz com os stakeholders é fundamental para a
sustentabilidade e a reputação das organizações, permitindo uma gestão mais
responsável e alinhada com as expectativas de diversas partes interessadas.